Peça-chave do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) corre o sério risco de ter suas atividades paralisadas nas próximas semanas por causa de uma decisão tomada pelo Ministério da Justiça, ao qual está vinculado. Isso porque neste final de julho vence o mandato de quatro dos sete conselheiros do órgão, inclusive o da atual presidente, Elizabeth Farina, e três dos quatro nomes indicados pelo ministro Tarso Genro para substituí-los estão sofrendo forte oposição no Senado.
Mesmo parlamentares da base governista, dentre os quais o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), não escondem a disposição de votar contra os nomes propostos por Genro. E, se a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado vier de fato a rejeitá-los, o Cade poderá deixar de funcionar por falta de quórum a partir de agosto, retardando com isso a tramitação e o julgamento de processos de avaliação de fusões e incorporações de empresas e de atos de concentração econômica envolvendo grandes conglomerados dos setores de minérios, petroquímico e de alimentos. Entre os processos que o Cade terá de julgar, nos próximos meses, se destacam a incorporação do Grupo Ipiranga pela Petrobrás e a fusão da Brasil Telecom com a Oi, cuja aprovação depende até de mudança na legislação.
A tensão entre o Senado e o Ministério da Justiça surgiu quando, em vez de escolher juristas e economistas experientes e respeitados no campo do direito antitruste e do direito concorrencial, o ministro Tarso Genro optou por critérios políticos. Para a presidência do Cade, por exemplo, ele indicou o atual procurador-chefe do órgão, o advogado Arthur Badin. No exercício dessa função, depois de ter sido chefe de gabinete da Secretaria de Direito Econômico, ele se envolveu em diversos litígios administrativos e judiciais envolvendo disputas milionárias, como no episódio em que a Companhia Vale do Rio Doce chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de tentar derrubar uma decisão do órgão que considerava prejudicial a seus negócios.
Tendo atuado, por dever de ofício, como parte em todos os casos que tramitam pelo Cade, alega-se que o procurador não teria a isenção e a imparcialidade necessárias para presidir o colegiado. Vários senadores, comparando o currículo do procurador do Cade com o da atual presidente Elizabeth Farina, que é professora titular de economia da USP e autora de dezenas de publicações em revistas especializadas, alegam que Badin não fez nem sequer um curso de pós-graduação na área. Esse argumento, contudo, não é relevante. A principal crítica contra sua indicação é a de que, saindo diretamente da procuradoria - cargo que exerce há quase três anos, atuando, às vezes como acusador nos casos de fusão e incorporação de empresas e de formação de cartel - para a presidência do Cade, ele teria de se declarar impedido nos julgamentos de praticamente todos os processos em curso no órgão, sob pena de argüição de falta de isenção e imparcialidade. Não é concebível que o ministro da Justiça não tenha percebido essa incompatibilidade funcional quando optou por Badin.
Os outros indicados pelo ministro Tarso Genro para o Cade também são polêmicos. Um deles, Olavo Zago Chinaglia, apesar de ter concluído recentemente o doutorado em direito concorrencial na USP, é filho do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Outro, o advogado Vinicius Marques de Carvalho, que é funcionário público federal e chefia o gabinete da Secretaria de Direitos Humanos, além de não ter experiência profissional em legislação antitruste, é sobrinho de um dos principais assessores do presidente da República, Gilberto de Carvalho. A primeira indicação que Tarso Genro fez para integrar o Cade, a do economista gaúcho Enéas de Souza, foi aprovada pelo Senado em abril, mas até hoje ele não assumiu o cargo.
A troca de critérios técnicos por critérios políticos (ou "familiares") na indicação de conselheiros do Cade é mais uma etapa do processo de esvaziamento das instituições que Roberto Mangabeira Unger denunciou, quando ainda não era ministro do governo Lula.
Estadão
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